Criminalização em ciclos de protestos: um estudo sobre táticas e enquadramentos repressivos no caso dos “23 presos da Copa”
Abstract
Em 2013, manifestações massificadas ao redor do país marcaram o início de um ciclo de protestos, que desencadeou diferentes manifestações de repressão estatal. Uma das formas de repressão, envolvendo diversos atores do sistema de justiça criminal, foi a criminalização de manifestantes. A presente pesquisa tem o objetivo de contribuir com a literatura dedicada a examinar processos de criminalização no contexto de ciclos de protesto através de um estudo de caso sobre o processo de criminalização dos “23 presos da Copa”, no qual um grupo de ativistas no Rio de Janeiro foi acusado pelo crime de associação criminosa e corrupção de menores e condenado pelo juízo de 1º grau. Através da análise documental dos autos completos do processo criminal e das narrativas de manifestantes criminalizados apresentadas nos livros “2013: memórias e resistência” e “A pequena prisão”, descrevemos o fluxo processual e principais acontecimentos ao longo do processo. É identificada, então, a mobilização de táticas repressivas baseadas no modelo da incapacitação estratégica, assim como táticas com raízes históricas em processos de criminalização ocorridos durante a ditadura militar. Ao examinar o processo de enquadramentos realizado pelos atores do sistema de justiça criminal, aponta-se para a relevância dos temas agressão aos policiais e dano ao patrimônio como os elementos que dão sentido à ideia de prática de “atos violentos”, central para os quadros criminalizantes. Ainda, aponta-se que o enquadramento promovido pelos agentes do estado relega o tema da violência cometida por policiais contra manifestantes ao campo da não-representabilidade, impactando a interpretação sobre o comportamento dos manifestantes e operando uma divisão entre sujeitos com direito a defesa e sujeitos agentes da violência. In 2013, mass nation-wide demonstrations marked the beginning of a protest cycle, which triggered different manifestations of state repression. One of the forms of repression, involving various actors of the criminal justice system, was the criminalization of protesters. The present research aims to contribute to the literature dedicated to examining criminalization processes in the context of protest cycles through a case study on the criminalization process of the "23 World Cup prisoners", in which a group of activists in Rio de Janeiro was charged with the crime of criminal association and corruption of minors and convicted by the lower court. Through a documentary analysis of the full criminal case files and the narratives of criminalized protesters presented in the books "2013: memórias e resistências" and "A pequena prisão" we describe the procedural flow and main events throughout the criminal proceedings. The mobilization of repressive tactics based on the model of strategic incapacitation is then identified, as well as tactics with historical roots in criminalization processes that occurred during the military dictatorship. When examining the framing process carried out by the actors of the criminal justice system, we point to the relevance of the issues of aggression against police officers and property damage as elements that give meaning to the idea of the practice of "violent acts", central to the criminalizing frames. Furthermore, it is pointed out that the framing promoted by the state agents relegates the theme of violence committed by police officers against protesters to the field of non-representability, impacting the interpretation of the behavior of protesters and operating a division between subjects with the right to defense and subjects who are agents of violence.