Autorregulação desportiva e autonomia constitucional

Data
2018-02-05
Orientador(res)
Ragazzo, Carlos Emmanuel Joppert
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Resumo

A gestão desportiva no Brasil é realizada por intermédio de entidades privadas, dentro de um sistema que se consolidou, no plano normativo, na década de 1940. De início, contudo, o setor desportivo foi alvo de forte intervenção estatal, especialmente por meio do Conselho Nacional de Desportos, que detinha amplas atribuições para controlar as atividades das entidades desportivas dirigentes. Esse cenário passou a ser questionado na década de 1980 e culminou com a inserção, na Constituição de 1988, do dever do Estado de observar a autonomia das entidades desportivas quanto a sua organização e funcionamento. Tal previsão passou a ser interpretada pela literatura e pelas próprias associações do setor como uma espécie de bloqueio às tentativas do Estado de intervir na atuação dessas entidades. Ocorre que, especialmente nas últimas décadas, passaram a surgir diversos escândalos de corrupção relacionados às confederações desportivas nacionais, o que demonstra que algo não vai bem no sistema (privado) de gestão desportiva brasileiro. A partir dessas constatações, este estudo propõe uma interpretação alternativa da cláusula geral de autonomia das entidades desportivas dirigentes com relação àquela que é usualmente defendida pela academia. Sugere-se, nesse sentido, que o dispositivo constitucional seja lido a partir de uma ótica do Direito Regulatório. De forma mais precisa, a partir dessa análise, constata-se que o modelo de gestão desportiva brasileiro apresenta características que permitem conceituá-lo como uma autêntica estrutura de autorregulação. Tal sistema é caracterizado pela ausência (total ou parcial) do Estado na definição das normas setoriais, na fiscalização e até mesmo na eventual aplicação de sanções aos particulares que se submetem voluntariamente à gestão realizada por uma entidade de representação coletiva. A autorregulação pode surgir de forma espontânea ou contar com a participação do próprio Estado, seja pela delegação estratégica de funções a um ente privado, seja pelo reconhecimento público de um modelo já consolidado. No caso específico do esporte, tal modelo pode ser extraído diretamente da Constituição, o que, dentro da proposta apresentada neste trabalho, traz duas consequências relevantes. A primeira é a de que tal estrutura autorregulatória, por se tratar de uma opção do próprio constituinte, não pode ser suprimida pelo regulador estatal. Todavia, e neste ponto exsurge a segunda e mais importante constatação, isso não quer dizer que a adoção de um modelo de autorregulação erige uma barreira intransponível à regulação estatal. A Constituição não fecha as portas à definição de um modelo regulatório específico, cabendo ao Estado definir os seus contornos de acordo com as situações conjunturais. É possível, assim, que se adote, dentro das vertentes possíveis do fenômeno jurídico estudado, um modelo que se convencionou denominar de “autorregulação regulada”, no qual a matriz regulatória privada deve ser preponderante, mas o Estado pode regular a atuação das entidades autorreguladoras em determinados casos. De forma mais concreta, essa forma de atuação pública pode se concentrar na definição de regras de governança corporativa aplicáveis às entidades desportivas dirigentes com intuito de realinhar os interesses da entidade com os interesses dos stakeholders do setor.


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